Fim do Jejum
– Primeiro construir a casa, para depois mobiliá-la – Laudo Natel bem dizia.
Não foi coincidência o São Paulo voltar a ser campeão logo após a conclusão de seu estádio. O Tricolor vivenciou um período sem títulos, entre 1957 e 1970. A chamada “fila” durou 13 anos. Tempos difíceis para o são-paulino, que via o clube se dedicar exclusivamente ao MorumBIS.
Ainda assim, se comparada às “filas” de outros clubes, foi a menor e, principalmente, a mais justificada. Que patrimônio os demais erigiram em suas épocas de vacas magras?
A fim de mobiliar o maior estádio particular do mundo com os melhores jogadores, o Tricolor investiu pesado. Como a arrecadação do Carnê Paulistão foi excepcional, muito sobrou para a contração de grandes craques. Gérson, Toninho Guerreiro, Edson Cegonha, Pablo Forlán e Pedro Rocha…
No Paulistão de 70, de regulamento simples (10 equipes, turno e returno), o São Paulo deslanchou. A decisão acabou sendo antecipada. Na penúltima rodada, a vitória por 2 a 1 contra o Guarani rendeu o título de Campeão Paulista ao Tricolor, pondo fim ao incômodo jejum. Azar do Corinthians, na seca há 16 anos, que teve que entregar as faixas de campeão aos tricolores no jogo seguinte.
Para saciar a sede de conquistas, um bicampeonato. Em 1971, São Paulo e Palmeiras brigaram, ponto a ponto, pelo título. O Tricolor chegou à rodada final com um ponto de vantagem. A decisão seria justamente contra o oponente direto. Casa cheia, e logo aos 6′ de jogo Toninho Guerreiro abre o placar.
Aos 22′, Leivinha empataria a partida, mas o gol foi anulado pelo árbitro. Gol de mão não vale! De lá até o fim do jogo, nada foi alterado e o São Paulo sagrou-se mais uma vez Campeão. Não se sabe por que os alviverdes reclamam tanto da marcação do juiz. Mesmo o empate daria o título ao Tricolor.
O São Paulo queria mais. Bateu na trave no Campeonato Brasileiro de 1971 e 1973. Vice-Campeão. Em 1974, outra segunda colocação, mais que honrada, na Taça Libertadores da América, quando perdeu no jogo extra da final contra o Independiente, da Argentina.
O time de Chicão, Waldir Peres e Mirandinha seria recompensado pela conquista do Campeonato Paulista de 1975, ao derrotar na final a Portuguesa, nos pênaltis (3 a 0). Entrou para a história a sequência de 47 jogos invictos (uma das maiores do Brasil), iniciada em 1974 e quebrada pouco antes da decisão.
Parecia clara a soberania Tricolor em termos estaduais, agora com sua própria casa, sempre cheia, ótimos times e grandes títulos. Era chegada a hora de galgar novos horizontes. São Paulo fora conquistado, era a vez do Brasil.
Brasil em Três Cores
“O São Paulo é zebra”. Assim dizia a crítica especializada em 1977.
O bicampeão Internacional, de Falcão; o Atlético Mineiro, de Cerezo; o Fluminense, de Rivellino e o Flamengo, de Zico, eram mais cotados ao título. Mas o Tricolor se preparou bem para o certame. Trouxe do Sul o bicampeão Rubens Minelli; o capitão da seleção uruguaia Darío Pereyra e manteve a boa base que fora campeã paulista de 1975.
A competição seria longa. Fases e mais fases para se decidir o campeão. Na primeira, o São Paulo se classificou em segundo lugar, com 18 pontos, em um grupo de dez times. Na seguinte, novamente se classificou no segundo posto, com sete pontos ganhos e com uma sonora goleada no então favorito Internacional: 4 a 1 em Porto Alegre.
Na terceira fase, a vaga para a semifinal foi conquistada com a liderança do grupo. Foram três vitórias, um empate e somente uma derrota, para o Botafogo de Ribeirão Preto, 0 x 1, quando, furioso por ter um gol seu anulado, Serginho deu um pontapé no bandeirinha. Julgado, foi suspenso das finais do campeonato.
Nas semifinais, um confronto inesperado: São Paulo x Operário de Campo Grande. MorumBIS lotado (recorde de público do clube até hoje em jogos pelo Brasileirão: 109.584 pessoas), pressão e jogo apertado até os 32′ do segundo tempo, quando Serginho inaugurou o placar. A partida acabou 3 a 0 a favor do Tricolor. Com a boa vantagem acumulada, a derrota fora de casa por 1 a 0 no jogo de volta não atrapalhou. Era a hora da grande final…
5 de março de 1978, Mineirão fervendo com 102.974 pessoas e o Atlético Mineiro decidindo o título em sua casa – jogo único -, pelo fato de ter melhor campanha nas fases anteriores. Se o São Paulo não teria Serginho, enfim julgado e suspenso pelo STJD, o Galo não teria também Dadá Maravilha, pelo mesmo motivo.
Estratagemas psicológicos foram adotados de lado a lado, com ameaças de efeitos suspensivos para os dois jogadores. Rubens Minelli, suspenso do jogo, então ousou e mandou Muricy, então contundido, encontrar Serginho e mandá-lo para Belo Horizonte. O artilheiro chegou ao Mineirão e apareceu no vestiário trajado com o uniforme de jogo. Foi um alvoroço!
Desconcentrados pelo diz-que-me-diz dos bastidores, os mineiros subiram ao campo e foram surpreendidos pela postura dos jogadores tricolores, que tiveram as melhores chances durante o jogo: Viana acertou o travessão durante o tempo regulamentar e o zagueiro Márcio salvou em cima da linha um cabeceio de Chicão, na prorrogação.
0x0. Pênaltis. Getúlio, ex-jogador do Atlético, passos lentos e firmes, toque forte na bola e a defesa de João Leite. A decisão não começara bem para o São Paulo… O Mineirão parecia explodir. Toninho Cerezo foi colocar o Galo a frente, mas também errou. Veio então Chicão. Correu e… Escorregou. João Leite defendeu novamente. O título parecia escapar…
Ziza abriu o marcador para o time de Minas. Peres empatou. Alves recolocou o Atlético na liderança do placar. Antenor, na sequência, acertou o gol para o Tricolor. Se Joãozinho Paulista marcasse o seu, seria muito difícil recuperar. Waldir Peres então se destacou. Herói, quando o adversário ajeitou a bola, deixou sua meta e foi até ele, tirou a bola do lugar e o provocou verbalmente. Pressionado, Joãozinho chutou nas alturas…
Bezerra marcou o seu, elevando a tensão. Vez de Márcio bater, apoiado por mais de cem mil vozes aos gritos de “Galô, Galô, Galô”. Lá então Waldir Peres, de novo, foi aprontar com o jogador mineiro, que ficou desconcertado… Veio o chute, chute alto, acima do goleiro, acima do travessão, para fora!
Que virada! Que reviravolta na decisão. O São Paulo assim se sagrava Campeão Brasileiro pela primeira vez. A primeira de muitas de um dos maiores campeões da história.
Máquina Tricolor
No início dos anos 80, uma verdadeira revolução ocorreu no Tricolor. A modernidade saltava aos olhos e principalmente ao peito de cada camisa, agora com patrocinadores. Paradigmas se desvaneciam e outros surgiam, ao passo que jovens mentes entravam em ação.
Conhecidos como “Golden Boys”, os novos diretores do Tricolor implantaram conceitos de publicidade e marketing, de novas relações comerciais e empreendimentos tanto dentro quanto fora de campo. Vieram os primeiros convênios com clubes estrangeiros, para intercâmbios não só de jogadores, mas de todo um know-how técnico-administrativo.
O novo gerenciamento trouxe mudanças imediatas para dentro das quatro linhas. De uma dessas parcerias internacionais (NY Cosmos), veio o zagueiro Oscar, adquirido com os valores obtidos pela venda de Aílton Lira (comprado junto ao Santos, foi vendido ao futebol árabe por um valor cinco vezes maior que o de seu custo).
A nova era auspiciosa mostrou a que veio quando em menos de uma semana o Tricolor goleou por 4 a 0 seus principais rivais, Palmeiras e Corinthians (5 e 10 de agosto de 1980). Com Waldir Peres, Oscar, Darío Pereyra, Heriberto, Renato, Paulo César Capeta, Serginho e Zé Sérgio, a equipe são-paulina passou a ser conhecida como “A Máquina Tricolor”.
Sua primeira prova de fogo foi a final do Campeonato Paulista de 1980, contra o Santos. Domingo, 16 de novembro, 122.209 pagantes (137.209 presentes – o maior público do Tricolor em sua história) tomaram conta do MorumBIS e viram Serginho Chulapa, aos 40′ do segundo tempo, definir a vitória, por 1 a 0. No jogo de volta, mesmo placar. Mais uma vez Serginho deixou o seu. O São Paulo encerrava a década com a conquista de mais um título.
A década seguinte começou, logo de cara, com a disputa de outro. Em 1981, o clube manteve sua base e ainda contratou Éverton e Marinho Chagas. A Máquina Tricolor agora era de aço, Tricolaço, como diziam. No Brasileirão, o São Paulo desde sempre figurou entre os favoritos. Nas semifinais, um drama épico: após perder o jogo de ida, no Rio, para o Botafogo (0 a 1), o São Paulo enfrentava o clube carioca, no MorumBIS, e perdia por 2 a 0, resultado que significava o adeus à competição.
Mas o Clube da Fé não leva esse nome à toa. Serginho diminuiu ainda no 1º tempo, Éverton em um petardo espetacular empatou e incendiou o jogo que ele mesmo definiu ao marcar o gol da virada, fantástica, aos 32′ do segundo tempo. O Tricolor iria à sua 4ª decisão de Brasileirão. Nela, o São Paulo tropeçou no Grêmio, em casa. Um vice-campeonato brioso. Segue o jogo.
Da frustração, o elenco tirou a superação necessária para vencer no Paulistão. Atropelando os oponentes, e mais uma vez o rival alviverde (dessa vez por 6 a 2, com direito a gol de chaleira de Mário Sérgio), o Tricolor chegou à final contra a Ponte Preta, que não foi páreo para A Máquina. Após empate em 1 a 1, vitória por 2 a 0 no MorumBIS.
A década assim se iniciou. Com avanços no modelo de gestão do futebol, e a conquista do Bicampeonato Paulista, que o clube não obtinha há 10 anos. Muito mais aguardava o Tricolor nos anos que se seguiriam.
Menudos do Morumbi
Seguindo a vertente de um novo modelo administrativo, o São Paulo começou a explorar ao máximo o potencial do Estádio Cícero Pompeu de Toledo. O primeiro evento alternativo lá realizado, dentre o extenso currículo que hoje possui, foi o show da consagrada banda de música “Queen”, em 1981. No mesmo ano o MorumBIS recebeu também a visita do Papa João Paulo II.
Foi, entretanto, em 1985 que o grupo porto-riquenho “Menudo” se apresentou para um público estimado entre 150 e 200 mil pessoas. Passaram como um furacão, deixando o gramado do estádio irreconhecível. Ao mesmo tempo, um time se tornou famoso justamente por passar por cima de seus adversários como um vendaval.
Composta por jovens revelações, como Müller, Silas e Sídney, além de veteranos como Pita e Careca, a equipe Tricolor comandada por Cilinho logo foi apelidada de “Menudos do MorumBIS”. A vitalidade do time deixou até o Falcão no banco e levou o clube à conquista de mais um título paulista, desta vez ao superar a Lusa e seu extremo favoritismo.
Logo após a conquista do Paulistão de 1985, teve início a disputa de 1986, em que o São Paulo foi extremamente prejudicado exatamente por sua excelência futebolística. Era ano de Copa do Mundo, e os cartolas rivais e da Federação decidiram não paralisar a competição.
Para se ter uma ideia, a Seleção Brasileira que derrotou a Iugoslávia, em amistoso em 30 de abril, contou com nada menos que seis jogadores do Tricolor: Gilmar, Oscar, Falcão, Silas, Müller e Careca. Destes, somente o goleiro Gilmar não foi convocado para a Copa.
O São Paulo levou então o Paulistão em banho-maria. E nem assim os rivais conseguiram vencer o campeonato…
O que valeu para os Menudos naquela temporada foi o Campeonato Brasileiro. Agora sob a batuta de Pepe, o time se mostrou insuperável, só vindo a conhecer a derrota na 17ª rodada. Avançando para as fases finais, deparou-se com o Fluminense nas quartas. Digno de nota foi o espetacular gol de Careca, com a bola batendo no travessão e na trave antes de sacudir as redes. Na Semifinal, deixou para trás o América-RJ, que havia superado o Corinthians. A decisão seria contra o Bugre campineiro.
Decisão é palavra imprópria para descrever o que foi aquela partida: verdadeiro marco para toda uma geração de torcedores.
25 de fevereiro de 1987. O Brinco de Ouro com quase 40 mil pessoas vestidas de verde e superconfiantes na vitória, após o empate em 1 a 1 no jogo de ida. Toda essa pressão resultou, logo aos 6′, em gol contra do são-paulino Nelsinho. O Tricolor reagiu, minutos depois, não deixando por menos. Bernardo empatou, de cabeça.
Eletrizante do início ao fim, o tempo regulamentar terminou assim. A prorrogação seria ainda mais sensacional. Logo no primeiro minuto, Müller avança pela direita e cruza para Pita, que vira o jogo para o São Paulo. O Guarani não se dá por vencido, e empata a partida, novamente, com um cabeceio no ângulo do goleiro Gilmar.
O segundo tempo da prorrogação foi antológico. Aos 5′, o zagueiro são-paulino Wagner Basílio não domina a bola e João Paulo, veloz brugrino, avança, rouba a pelota e mesmo sofrendo falta a empurra para o fundo das redes. Virada verde, 2×3.
Parecendo não possuir mais forças, o Tricolor se vê desnorteado em campo. A torcida festeja. A imprensa já dá como certa a peleja. Até mesmo o hino do Guarani começa a ser escutado nos alto-falantes do estádio e nas telinhas por todo o Brasil. Um minuto para o fim. Fogos por toda a região.
E então, o silêncio.
Que foi desaparecendo ao ruído de um pequeno grupo, que comemorava enlouquecidamente, ainda sem entender direito o que havia acontecido.
Wagner Basílio dera um chutão para o alto. Pita, antevendo a salvação, saltou, ganhando de seu marcador, e desviou a bola em profundidade. Careca correu e encheu o pé, afundando a bola com força no gol campineiro!
Mais uma vez tudo seria decidido nos pênaltis. Boiadeiro e Careca perdem suas cobranças. Em seguida, João Paulo também erra e os demais anotam os seus. A vitória estava nos pés de Wagner Basílio, que chutou mal, fraco, mascado. Os locutores já gritavam “Fora!”, mas foi gol! A bola entrou mansamente e descansou junto às redes laterais.
Bicampeão, o São Paulo se consagrava assim bicampeão brasileiro!
Barra Funda...
Menos de um mês depois da conquista do Bicampeonato Brasileiro, o São Paulo voltava a campo, desta vez pelo Paulistão de 1987. Pelo cansaço, o desempenho tricolor foi mediano, mas o suficiente para levá-lo à semifinal do torneio, contra o Palmeiras.
1º jogo, um 0 a 0. Jogo de volta, e o inusitado: os palmeirenses sobem no gramado com um porco nos braços de seu capitão. Vai entender…
O São Paulo, que não tinha nada com isso, vence por 3 a 1, com direito a outra anormalidade. Neto, então jogador do São Paulo e futuro ídolo de um certo rival, marca gol de falta em Zetti, então goleiro do Palmeiras e futuro ídolo tricolor. O agravante foi o autêntico “peru” sofrido pelo palestrino.
Na final, o Tricolor superou o Corinthians com uma vitória (2×1, gols de Lê e Edivaldo) e um empate (0x0), levando para casa o maior troféu de sua galeria até hoje. Não em mérito, mas em tamanho mesmo: 1,97m de altura. Em menos de seis meses, o São Paulo faturou dois títulos. Arrasador.
Já a temporada de 1988 não foi excepcional, mas rendeu bons frutos. Em 9 de abril foi inaugurado, de modo definitivo, o Centro de Treinamento Frederico Antônio Germano Menzen, o CT da Barra Funda, que hoje abriga o Departamento de Futebol Profissional do Tricolor.
Em área de 44.472m², o SPFC construiu toda a estrutura necessária para o melhor desempenho e aproveitamento de seus atletas. Hoje são 3 campos oficiais e piscina, além do Núcleo de Reabilitação Esportiva, Fisioterápica e Fisiológica “Maria Zilda Gamba Natel”, o famoso REFFIS, inaugurado em 2003.
Dois anos depois, em 1990, outra dessas estranhas peculiaridades: o Palmeiras construiu seu CT exatamente ao lado do são-paulino. Separados somente por um muro, com o auxílio de uma escada é possível espiar o lado adversário.
Deixando os (por)menores de lado. O São Paulo mais uma vez chegou a final do Paulistão. Em 1989, após superar Bragantino e São José (que eliminaram, arrasadoramente, Palmeiras e Corinthians), o Tricolor mais uma vez se consagrou Campeão Paulista (1×0 e 0x0 foram os placares).
Quatro títulos estaduais (1981, 1985, 1987 e 1989), um Campeonato Brasileiro (1986) e ainda outros três vice-campeonatos nacionais (1981, 1989 e 1990). A década foi tricolor – mais uma vez. Logo todo o mundo seria.