CA Paulistano
O São Paulo FC é dentre os grandes não apenas o primeiro, como diz o hino são-paulino, mas também o mais jovem. A grande saga do Tricolor começou, porém, quando o futebol ainda engatinhava no Brasil, com a fundação do clube mais vitorioso da era amadora do esporte: o Club Athletico Paulistano.
Tradicional e ainda em funcionamento na zona mais nobre da cidade, o CAP surgiu do desejo por um clube verdadeiramente brasileiro e que representasse a cidade de São Paulo por completo. Até então, o futebol era praticado somente por clubes de imigrantes, basicamente de ingleses ou alemães.
O Paulistano nasceu na Rotisserie Sportsman (Rua São Bento, nº 61), em 29 de dezembro de 1900. Pouco mais de um ano depois, em 1902, já era vice-campeão do primeiro Campeonato Paulista da história. Ao todo, o Paulistano conquistou 11 títulos paulistas, sendo quatro consecutivos (1916-1919).
Grandes nomes jogaram pelo alvirrubro paulistano. Estrelas como Rubens Salles, Mário Andrada, Filó, Araken Patusca e, principalmente, Arthur Friedenreich. Boa parte deles jogaria futuramente no Tricolor Paulista.
O tempo passou e o futebol se modificou. O clube tinha fortes raízes amadoras e rejeitava o “profissionalismo marrom” de meados dos anos 1920. Para o Paulistano, o jogador deveria vestir a camisa por paixão, por fidelidade, sendo sócio do clube. Ou seja, na prática, deveria pagar ao clube, e não o contrário.
Em 1926 o Paulistano encabeça a criação da LAF – Liga dos Amadores de Futebol. Não deu certo. A liga durou pouco, não podendo enfrentar o dinheiro que “corria por fora” na concorrência e, principalmente, a decisão da Confederação Brasileira de Desportos – CBD de não a reconhecer oficialmente.
Assim, em 8 de janeiro de 1930, o Club Athletico Paulistano – o maior clube de futebol de então – vê sua Liga ser oficialmente dissolvida em assembleia e abandona a modalidade.
Nem todos os dirigentes, sócios e jogadores concordaram com a decisão, e os descontentes foram em busca de uma solução junto a outro tradicional clube da capital, a Associação Athletica das Palmeiras.
Títulos do Club Athletico Paulistano:
- Título de ‘Os Reis do Futebol’ em excursão à Europa: 1925.
- Campeão da Taça dos Campeões: 1920.
- Campeão da Taça Ioduran (Confronto de Campeões do RJ e SP): 1918.
- Campeão Paulista: 1905, 1908, 1913, 1916, 1917, 1918, 1919, 1921, 1926, 1927 e 1929.
- Fundador da Liga Paulista de Futebol, em 1902, da Associação Paulista de Esportes Atléticos, em 1913, e da Liga dos Amadores de Futebol, em 1926.
AA das Palmeiras
Fundada em 9 de novembro de 1902 e sediada inicialmente na Av. Angélica, Santa Cecília (lugar de grandes casarões e de famílias nobres da capital paulistana), a Associação Athlética das Palmeiras sempre possuiu forte vínculo com o Club Athletico Paulistano. A afinidade entre os dois times surgiu ainda nas primeiras partidas disputadas entre si, quando o time principal das Palmeiras enfrentava o segundo quadro (time B) do Paulistano.
Com o prestígio gerado por esses encontros, o time foi admitido na Liga Paulista em 1904 (com o curioso fato de a maior parte do seu elenco ser formada justamente por ex-jogadores do time B do Paulistano), onde se tornaria, futuramente, tricampeão.
Ainda em 1904, o clube mudou-se para a Chácara da Floresta, onde construiu seu campo e passou a sediar seus jogos. Em 1916 o CA Paulistano doou as arquibancadas de seu antigo estádio, o Velódromo. Rapidamente a Floresta se tornou um grande polo esportivo da Cidade de São Paulo.
Aliados desde sempre, os dois clubes fundaram a Associação Paulista de Esportes Atléticos, em 1913, e, posteriormente, em 1925, a Liga dos Amadores de Futebol. Contudo, ao fim dos anos 20, num período de transição em que o dinheiro corria pelos bastidores (profissionalismo marrom), o custo do futebol encareceu. Logo o clube começou a se enfraquecer e a se endividar, a ponto de quase perder o arrendamento da Chácara da Floresta.
Em 16 de novembro de 1929, a equipe deixa a LAF e se filia novamente à APEA. Pouco depois, o próprio Paulistano joga a toalha e abandona o futebol. Seus diretores, sócios e jogadores, descontentes com tal medida, logo procuraram a AA das Palmeiras em busca de outra solução.
A união do CA Paulistano à AA Palmeiras resultaria no nascimento de um clube de ponta e de berço. Gigante. Detentor, por assim dizer, de 14 títulos paulistas – praticamente a metade do que havia sido disputado até então -, e herdeiro de grandes craques do futebol e de uma bela sede esportiva, na Floresta.
Títulos da Associação Athlética das Palmeiras:
- Campeão da Taça Salutaris (Confronto de Campeões de RJ e SP): 1911
- Campeão Paulista: 1909, 1910 e 1915.
- Fundador da Associação Paulista de Esportes Atléticos, em 1913, e da Liga dos Amadores de Futebol, em 1926.
Fundação
60 ex-membros do CA Paulistano – inclusive jogadores – reuniram-se, então, com sócios e dirigentes da AA das Palmeiras. A princípio especulou-se também a inclusão da AA São Bento nesta assembleia – pois o clube celeste também detinha o uso de um campo na região da Floresta, o estádio da Ponte Grande – mas os sambentistas desistiram da união e não compareceram.
Assim, no sábado, 25 de janeiro de 1930, na Praça da República, nº 28, foi fundado o São Paulo Futebol Clube. Pelo tardar das horas e o atraso com a confeção dos estatutos, somente no domingo, 26 de janeiro, foi assinada a ata de fundação da nova entidade. A ideia original era fazer coincidir o nascimento da nova agremiação com o aniversário da cidade – como um presente aos paulistanos. As linhas iniciais desse primeiro documento oficial diziam o seguinte:
“O São Paulo Futebol Clube é uma instituição fundada pelos sócios aficcionados do esporte de futebol do Club Athletico Paulistano e pela Associação Athletica Palmeiras, destinada a proporcionar aos seus sócios a prática de todas as modalidades de esporte”.
Nas assinaturas presentes na ata de fundação constam os nomes de Edgard de Souza, Alberto Hugo de Oliveira Caldas, Gastão Rachou, Benedicto Montenegro, José Martins Costa, João Baptista da Cunha Bueno, Caio Luís Pereira de Souza, Samuel Toledo Filho, João Oliveira de Barros, Paulo Novaes de Barros, Clodoaldo Caldeira, Luiz Fernando do Amaral, Joaquim da Cunha Bueno Netto, Leonel Benevides Rezende, Augusto Portugal dos Santos, Duffles de Camargo Bueno, Paulo Machado de Carvalho, Arnaldo Alves da Motta, Névio Nogueira Barbosa, Augusto de Castro Leite, Mário da Cunha Bueno, Alcino Vieira de Carvalho, Luiz Marcondes de Moura e Marcello Paes de Barros. Posteriormente, chegou-se a 205 sócios considerados fundadores do São Paulo FC.
Edgard de Souza foi eleito o primeiro presidente. O restante da diretoria: Primeiro Vice: Alberto Caldas; Segundo Vice: Gastão Rachou; Terceiro Vice: Dr. Benedito Montenegro; Primeiro Secretário: Dr. Luiz Oliveira Barros; Segundo Secretário: Dr. José Martins Costa; Primeiro Tesoureiro: João Baptista da Cunha Bueno; Segundo Tesoureiro: Dr. Caio Luiz Pereira de Souza. Presidente do Conselho Fiscal: Dr. Samuel Toledo Filho. Presidente do Conselho Deliberativo: Julio Mesquita Filho.
O Conselho Deliberativo foi formado por 18 integrantes, nove provenientes da AA das Palmeiras, e nove do CA Paulistano.
No domingo, 3 de fevereiro, o clube já alinhava seus jogadores para seu primeiro treinamento. O time A utilizando as camisas do Paulistano, e o B, as das Palmeiras. João Chiavone comandou o treino, e, curiosamente – reza a lenda -, foi dispensado logo após, pois escalou Friedenreich e Araken Patusca, os craques do elenco, no time B (que saiu derrotado por 4 a 1).
A primeira apresentação do novo time ao público foi no Torneio Início do Campeonato Paulista, realizado eu seu próprio campo, na Chácara da Floresta. O São Paulo FC, já com seu uniforme tradicional, venceu o CA Ypiranga por 3 a 0 (Gols de Formiga, Araken Patusca e Friedenreich). Por ser um jogo-exibição, de 20 minutos de duração, esta partida não é considerada, oficialmente, a primeira da história do clube.
O primeiro jogo oficial foi contra o mesmo CA Ypiranga, mas no dia 16 de março de 1930: 0x0, em jogo válido pelo Campeonato Paulista.
- SÃO PAULO Futebol Clube 0 x 0 Clube Atlético YPIRANGA
16.03.1930
Campeonato Paulista
São Paulo (SP)
Estádio da Chácara da Floresta
CAY: Joãozinho; Ziza e Zaca; Japonês, Guanabara e Russel; Salvador, Guinda, Pierino, Barruso e Álvaro.
SPFC: Nestor; Clodô e Barthô; Boock, Zito e Alves; Luizinho, Milton, Friedenreich, Mário Seixas e Zuanella. Técnico: Rubens Salles
Árbitro: Cid Rosso
Esquadrão de Aço
O São Paulo Futebol Clube nasceu grande, com os craques do Paulistano e a melhor praça esportiva da cidade, na Chácara da Floresta, que passou por reformas e ganhou postes de iluminação para jogos noturnos, algo inédito até então na capital.
Dentro de campo o Tricolor ia muito bem, só conhecendo sua primeira derrota em sua nona partida oficial, e emplacando, pouco depois, uma sequência invicta de 20 jogos. Foi o vice-campeão paulista de 1930, com uma única derrota em seu ano de estreia na APEA. Nada mal para um novato.
O Campeonato Paulista de 1931 somente foi encerrado em 1932. Novamente o São Paulo só perdeu uma única partida, ainda no início do certame. Ao fim, decidiria o título, disputado em pontos corridos, em um jogo contra o Corinthians – o mesmo que o derrotara em 1930. O Alvinegro atuaria em casa, ou melhor, na Fazendinha. O Tricolor não se intimidou e goleou, por 4 a 1, com dois gols de Armandinho, e outros de Friedenreich e Araken Patusca. O São Paulo deu o troco e comemorou seu primeiro título em solo alheio. Nascia, assim, o Esquadrão de Aço.
A temporada de 1932 foi curta, abreviada pela Revolução Constitucionalista – somente 11 jogos foram disputados -, quando muitos dos jogadores paulistas pegaram em armas pela defesa do estado, inclusive o craque Friedenreich. Uma derrota inesperada para o Germânia atrapalhou os planos, e o São Paulo foi, mais uma vez, o vice-campeão. O Germânia, aliás, foi o único time paulista, além de Palestra e Corinthians, que venceu o Tricolor no período 1930-1935.
No ano seguinte, o profissionalismo foi oficialmente adotado, e uma partida do São Paulo inaugurou a nova era do futebol brasileiro. A primeira peleja dessa nova fase aconteceu em 12 de março de 1933, e – claro – não podia deixar de ser uma goleada, para ficar bonito na história: 5 a 1 sobre o Santos, lá na Vila.
Outra novidade: em 1933 acontece a disputa do Torneio Rio-São Paulo, então chamado Campeonato Brasileiro de Futebol Profissional (sic), em que o São Paulo foi o segundo colocado. A mesma posição obtida no campeonato estadual. Ficaram para a história, entretanto, a melhor média de gols da história do clube (3,74 gols por jogo) e as 19 goleadas aplicadas em 34 jogos.
O desempenho só não foi ainda superior por culpa de uns tropeços aqui e acolá. Eles se repetiriam mais uma vez em 1934, com outro vice-campeonato paulista. Justificável, pois, como veremos a seguir, o clube estava mais preocupado com outros assuntos…
Breve fim
Em meio ao clima da Copa do Mundo de 1934, uma crise administrativa assolava o futebol brasileiro. A disputa amadorismo x profissionalismo ainda seguia a pleno vapor, causando problemas também para a Seleção Brasileira. A única entidade nacional reconhecida pela FIFA era a CBD, no caso, amadora. Desde 1933, porém, os principais clubes nacionais já eram profissionais e filiados a FBF. No eixo RJ-SP, todos, exceto o Botafogo.
Houve grande pressão para que os clubes profissionais liberassem seus atletas convocados para a amadora CBD, o que causou revolta entre os dirigentes. Um clube chegou a esconder (e trancafiar) seus jogadores em fazenda no interior. Do São Paulo, foram convocados Luizinho, Armandinho, Waldemar de Brito e Sylvio Hoffmann. O clube não liberou os atletas, mas a medida não foi o suficiente e a CBD os pirateou mesmo assim. Obviamente, os dirigentes são-paulinos ficaram enfurecidos.
O conflito de bastidores não se resumiu à esfera nacional. O racha chegou à APEA, a federação estadual. Devido à perda de poder da FBF, à qual a APEA era subordinada, o Palestra Itália (justamente o clube que escondera jogadores no interior), lidera a fundação da LPF e se sujeita à antes inimiga CBD. Em breve seria seguido por outros clubes paulistanos.
Isolado politicamente, o Tricolor permaneceu na APEA o quanto pôde, sendo o último clube grande a aderir a LPF e a engolir a CBD. Este fato dividiu os dirigentes, conselheiros e sócios do São Paulo FC. Muitos nunca admitiriam o cabresto daquela entidade. Por já estarem fartos de, dia após dia, conviverem com o caos federativo, uma comissão conjunta aprovou, em 26 de janeiro de 1935, por dez votos a dois, um estudo de fusão com o CR Tietê. A ideia era deixar o futebol e suas intrigas políticas de lado, concentrando-se somente nos esportes amadores (afinal, a fusão CR Tietê-São Paulo FC produziria o maior clube social do Brasil).
Para justificar essa ação desproporcional aos que não queriam deixar a herança do CA Paulistano morrer, alardeou-se uma suposta dívida contraída após o aluguel de uma luxuosa sede de gala, o famoso Palácio do Trocadero, em 1934. A tal dívida, em seu total, era de 214 contos de réis. Como bem retrata o livro História do Futebol no Brasil, do consagrado jornalista Thomaz Mazzoni, tudo não passou de pretexto. Esse montante, como argumenta o autor, seria facilmente coberto pelo valor do passe de 2 ou 3 craques do elenco, que contava com o maior jogador brasileiro de sua época: Friedenreich.
Em verdade, a própria receita gerada pelo departamento de futebol seria suficiente. Como exemplo, só em 1933 o clube arrecadou 381 contos de réis. Dinheiro não era desculpa. A decisão foi política. Tamanha foi a repercussão da filiação à CBD e da proposta de fusão que o presidente Edgard de Souza Aranha renunciou, em 7 de março de 1935.
Novamente a fusão foi posta em pauta em reunião de Diretoria e Conselho, no dia 12 de março, e mais uma vez o resultado foi favorável. Com isso, até mesmo os jogadores, liderados por Araken Patusca – o capitão do time -, se rebelaram publicamente contra, pois queriam continuar a jogar sob as cores do SPFC. Punidos pela diretoria, fundaram então o Independente Esporte Clube, em 25 de março de 1935, que usava as mesmas cores do São Paulo.
O destino do clube foi definido em 14 de maio, em Assembleia Geral. Ou, melhor, nem tão geral assim. Pelo artigo 2º dos estatutos, definiu-se que somente os 205 sócios considerados fundadores poderiam participar de tal Assembleia, e não a totalidade dos sócios (mais de dois mil). Destes aptos, somente 151 estavam em condições de voto ou vivos.
Finalizado o plebiscito, 113 sócios fundadores optaram pela fusão, 33 se abstiveram, e somente cinco foram contra essa decisão. Assim foi decidido oficialmente o fim do São Paulo FC de outrora e sua decorrente fusão com o CR Tietê, formando assim o Clube de Regatas Tietê-São Paulo, também tricolor.
Como em 1929, os descontentes se mobilizaram e mais uma vez lutaram para manter viva a glória antes conquistada. A luta foi sofrida e o caminho, longo, mas nada impediria que aquele que viria a ser conhecido como o Clube da Fé voltasse a campo. Não foi em três dias, ou três meses depois, mas o São Paulo renasceu.