Ressureição
Manoel do Carmo Meca, Cid Mattos Viana, Francisco Pereira Carneiro, Éolo Campos, Manoel Arruda Nascimento, Izidoro Narvaes Caro, Francisco Ribeiro Carril, José Porphyrio da Paz, Eduardo Oliveira Pirajá, Frederico Antônio Germano Menzen, Francisco Bastos, Sebastião Portugal Gouvêa, Dorival Gomes dos Santos, Deocleciano Dantas de Freitas e Carlos A. Azevedo Salles Júnior.
Ao todo, quinze homens que não deixaram o sonho do torcedor são-paulino desaparecer ao se encontrarem no escritório do advogado Silvio Freire, na Rua Onze de Agosto – atual Praça da Sé -, para perpetuarem o renascimento do São Paulo Futebol Clube. Outros 73 tricolor assinaram, posteriormente, a ata de fundação datada de 16 de dezembro de 1935.
Manoel do Carmo Meca foi eleito o primeiro Presidente, e a diretoria foi composta da seguinte forma: Vice-Presidentes: Alcides Borges, Francisco Pereira Carneiro; Secretário: Luiz Felipe Paula Lima; 1º Tesoureiro: Manoel Arruda Nascimento; 2º Tesoureiro: Izidoro Narvaes; Diretor Geral de Esportes: Tte. José Porphyrio da Paz; Representante junto a Liga Paulista: Frederico Antônio Germano Menzen.
Daquele clube que antes veio ao mundo em berço esplêndido, somente a Fé restara. A fé que, degrau por degrau, escalou o Mundo, conquistando honras muito maiores que as glórias do passado. Do reinício, no fundo de um porão alugado na Praça Carlos Gomes – a sede do clube de 1936 à 1937 -, ao Tricampeonato Mundial Interclubes, em 1992, 1993 e 2005.
A jornada iniciou-se em 21 de janeiro de 1936, no primeiro treinamento da nova equipe, que agora não contava com jogadores de renome ou grandes promessas. Na Rua da Moóca, um sonoro 7 a 3 contra o CA Paulista. Dois dias depois, novo coletivo e uma auspiciosa vitória por 3 a 2 sobre o Palestra Itália, no Parque Antárctica.
Era chegada a hora da estreia oficial. 25 de janeiro de 1936: a cidade festejava seu aniversário, enquanto o clube se preparava para entrar em campo. Faltava, entretanto, autorização municipal para promover evento paralelo às festividades oficiais. Correu então o fundador Porphyrio da Paz para obter a certificação necessária junto ao Secretário da Educação, o Dr. Cantídio Campos. A liberação veio prescrita em um receituário médico do doutor.
Tudo certo fora das quatro linhas. Dento de campo, a partida realizada no Parque Antárctica contra a Associação Atlética Portuguesa, de Santos, terminou com vitória do São Paulo, por 3 gols a 2. A honra do 1º gol do Tricolor refundado coube a Antônio Bertoletti, o Antoninho.
SÃO PAULO Futebol Clube 3 X 2 Associação Atlética PORTUGUESA
25.01.1936
Amistoso Nacional
São Paulo (SP)
Estádio Palestra Italia (Parque Antarctica)
SPFC: King; Ruy e Picareta; Ferreira (Julio Colosso), José e Segoa; Antoninho, Hermenegildo Gabardo, Juca (Gutiérrez), Carazzo e Paulinho.
Técnico: Armando del Debbio
Gols: Antoninho, 5/1; Carazzo, 8/2; Carazzo, 20/2
AAP: Ratto; Romeu e Teixeira; Del Popollo, Archimedes e Argemiro; Vega, Armandinho, Orlando (Franco II), Tim e Gildo.
Técnico: Desconhecido
Gols: Ruy (contra), 43/1; Franco II, 20/2
Árbitro: Heitor Marcelino Domingues
Público: 3.000 pagantes
Clube da Fé
Os primeiros anos de vida do novo São Paulo Futebol Clube foram muito difíceis. O elenco inicial foi formado, basicamente, por jogadores da periferia da capital e do interior do estado, recrutados por Porphyrio da Paz ou por intermédio de anúncios em rádios. O Presidente Manoel do Carmo Mecca foi até Curitiba contratar as únicas exceções: José, Segoa e King, o gigante goleiro que se consagraria no clube.
Nos Campeonatos Paulista de 1936 e 1937, nenhum grande feito ou posição foi obtido. O time ainda engatinhava.
Sem posses patrimoniais, o São Paulo jogava em campos alugados de clubes vizinhos. Seus treinamentos não ocorriam em locais fixos, quando muito tomava um campinho de várzea emprestado até o retorno de seus proprietários (Campos na Rua Anhaia, Várzea do Glicério e Itaim Bibi são exemplos).
Quando não era possível, a equipe são-paulina treinava nos fundos da Igreja da Consolação, então sob responsabilidade do Monsenhor Francisco Bastos, um dos re-fundadores do clube. Em verdade, a Igreja servia também de concentração, pois o padre prendia os jogadores lá dentro, em véspera de jogos, para evitar as tradicionais escapadas noturnas.
O clube em si ganhou sua 1ª sede em 25 de janeiro de 1936: um porão alugado na Praça Carlos Gomes, nº 38. O local era tão pequeno que, em reuniões, era necessário haver revezamento entre os presentes. Um ano depois, nova e breve sede, no famoso Edifício América (Martinelli), 11º andar, onde o clube ficou por no máximo dois meses. Curiosamente, ali havia nascido o Grêmio Tricolor, um dos alicerces que não deixaram o SPFC desaparecer em 1935.
Em março de 1937 o clube se mudava para a Av. São João, 1001, 1º andar, onde hoje é a Praça Júlio Mesquista, nº 105. O pavimento alugado junto à firma Ortiz e Gutierrez viu nascer, ali, sob as mãos de Manoel Raymundo Paes de Almeida, o Grêmio São-Paulino, posteriormente conhecido como TUSP: a primeira torcida organizada do Brasil.
Por essa difícil jornada, cheia de percalços mas repleta de empenho e perseverança, é que Thomaz Mazzoni, batizou o novo São Paulo FC como “O Clube da Fé”. Em suas palavras, datadas de 21 de julho de 1937:
“Recentemente, surgiu o São Paulo FC Júnior com as mesmas pretensões do antigo. Se o novo São Paulo veio ao mundo da bola sem os haveres, fama e prestígio dos seus antepassados, trouxe a maior das riquezas: a fé no seu destino, o amor ao seu hoje. Somente a fé poderia levar o atual Tricolor a nascer como um clube varzeano qualquer e tornar-se logo uma agremiação no caminho reto do progresso do futebol superior. O Clube da Fé, como merece ser chamado o atual São Paulo FC, está se encarregando de.”
Voto de Minerva
Os sócios re-fundadores do São Paulo FC não foram os únicos inconformados com o fim de seu predecessor. Além do Independente EC, do Grêmio Tricolor, e do CA São Paulo, outra agremiação veio ao mundo com o sangue Tricolor: O Clube Atlético Estudantes de São Paulo.
Fundado em maio de 1935 pelas mãos dos são-paulinos Cássio Villaça e José de Godói, o Estudantes herdou vários atletas do clube da Floresta, mas durante algum tempo também padeceu peregrinando, de campos em campos, jogo a jogo. Resolveu esta questão quando, em 2 de junho de 1937, se uniu ao CA Paulista – então detentor do Estádio Antônio Alonso, o campo da Companhia Antárctica Paulista, na Rua da Moóca – e se rebatizou Clube Atlético Estudantes Paulista.
Bem sucedido dentro de campo, fora dele sofre um duro golpe. Durante uma excursão ao Chile e Peru, entre junho e julho de 1938, um empresário foge com todos os seus rendimentos e deixa o clube na penúria.
Como os compromissos assumidos pelo Estudantes Paulista eram muitos, o irmão São Paulo FC passa a bancar o salário de alguns de seus jogadores. Promove, inclusive, um festival amistoso com outros três clubes grandes da capital. Sai derrotado do torneio, mas com o pouco arrecadado alivia a situação dos atletas do CAEP que, aos poucos, acabaram sendo contratados pelo próprio Tricolor.
Assim, em 25 de agosto de 1938, com 8 novos jogadores provindos do clube irmão, o São Paulo FC goleia o Corinthians por 3 a 0 e dá início a uma nova era vitoriosa. Com nomes como Armandinho e Araken Patusca, regressos, o SPFC nessa temporada ainda aplicaria a maior goleada da história em cima do Palestra Itália, hoje Palmeiras: 6 a 0!
Já o Estudantes Paulista, cambaleante em suas finanças, aceitaria sua incorporação ao SPFC apenas em 12 de setembro de 1938, ao custo de 700$000 réis mais o passivo do absorvido, no valor de 168.880$000 e os compromissos firmados com a Companhia Antárctica Paulista para o uso de seu estádio.
Por muito pouco, e por duas vezes, o São Paulo não teve seu nome original alterado. A primeira antes mesmo da união Estudantes e CA Paulista. O próprio São Paulo FC, em 25 de novembro de 1936, propusera aos dois clubes que se unissem a ele, adotando o novo nome de São Paulo Olímpico Clube. Não vingou. A outra vez foi na mesma Assembléia Geral de 12 de setembro de 1938. A mudança de nome da agremiação esteve em votação e empatada até o voto de Minerva de Piragibe Nogueira, a favor de São Paulo Futebol Clube.
O Mais Querido
Após a união com o Estudantes Paulista, o São Paulo FC necessitava de maiores e melhores instalações para seus associados. Assim, transferiu sua sede administrativa para o Edifício Santa Victória, um prédio situado na Rua Dom José de Barros, 337. Já os jogos eram realizados no Estádio Antônio Alonso, na Rua da Moóca.
O estádio era pequeno, acanhado. Em pouco tempo não supriria mais as necessidades do clube, de torcida vibrante e crescente. Nessa época, a Prefeitura terminava a construção do Estádio Municipal do Pacaembu, que seria inaugurado em 27 de abril de 1940. Batizado com o nome do presidente são-paulino Paulo Machado de Carvalho, o Marechal da Vitória, em 1961, o estádio possui vínculo com o Tricolor desde muito antes.
Em junho de 1930, foi noticiado que o SPFC levaria a cabo a construção do grande estádio de futebol da cidade, naquela mesma região doada pela Companhia City ao Estado de São Paulo quatro anos antes. Como o Governo nada fez nesse período, a City revogou a doação a fim de destiná-la a outros interessados. Apesar da declaração são-paulina, a Cia repassou o terreno à Prefeitura, em 1935.
No evento de inauguração, em 1940, as delegações desfilaram para o público e para o presidente Getúlio Vargas, que não era lá muito bem quisto em todo o estado desde a Revolta Constitucionalista de 1932. Quando a bandeira do São Paulo FC entrou em cena, todos os presentes, são-paulinos, corinthianos, palestrinos e paulistanos em geral gritaram: São Paulo! São Paulo! São Paulo! Enquanto apontavam para a tribuna de honra, onde se encontrava o presidente.
A quem duvidar, o relato do jornal Folha da Manhã, então propriedade da família Matarazzo:
“O público esportivo propriamente dito demonstrou quanto é querido o S. Paulo F.C., pois, ainda que apresentasse pequena turma, recebeu calorosas palmas, sendo o seu nome ovacionado deliberadamente”
Getúlio, fingindo espanto e desconhecimento do protesto, teria comentado que, ao visto, o São Paulo era o clube mais querido da cidade. No dia seguinte, os jornais estampavam “O Clube Mais Querido da Cidade”, frase que desde então virou marca oficial do SPFC, encontrada até hoje em seus documentos.
Não bastasse, pouco tempo depois do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda, o DEIP, promoveu um concurso público para confirmar, com métodos científicos, quem, de fato, era o clube mais querido da cidade. Não deu outra. Apesar do favoritismo dos rivais mais velhos, a torcida são-paulina se destacou preponderantemente. Foram 5.523 votos, mais do que SCCP e Palestra somados (2.671, 2.593).
Oficialmente, desde então, o São Paulo Futebol Clube é O Clube Mais Querido da Cidade.
Pacaembu...
A relação do São Paulo Futebol Clube com o Estádio Municipal de São Paulo continua. Logo após estrear o gramado, em maio, o São Paulo investe em um acordo com a Prefeitura para o arrendamento do estádio, destinando à municipalidade 10% do valor bruto apurado em cada partida e obtendo assim a exclusividade de seu uso. Os dirigentes são-paulinos se baseavam no artigo 100º da Liga Paulista, que impedia que um clube adotasse para seu mando um estádio já adotado por outra agremiação.
A negociação não vingou por forte oposição do Palestra Itália junto à Liga, que rasgou seu estatuto e obrigou o São Paulo a alterar o acordo com a Prefeitura. Da exclusividade, passou a ter somente a preferência de uso, além da possibilidade de lá executar seus treinamentos. Os outros poderiam também utilizá-lo, mas somente se nenhum compromisso oficial do Tricolor estivesse agendado para o mesmo dia.
Não importando com que status o São Paulo o tenha utilizado, o Pacaembu foi verdadeiramente um templo são-paulino entre 1940 e 1960. Nessas duas décadas, sete títulos Paulistas. Cinco deles com o famoso Rolo Compressor, de Leônidas, Bauer, Sastre e tantos outros. Não bastasse, até o Expressinho, o time de aspirantes, nele se consagrou com um pentacampeonato estadual consecutivo.
Foi naquele gramado que o São Paulo aplicou a maior goleada de sua história, 12 a 1 no Jabaquara, em 14 de julho de 1945 (outra pelo mesmo placar ocorreu em 1933). Nele também goleou o Santos por duas vezes, em um mesmo dia (18/06/1944), por incríveis 23 a 1 – 9 a 1 no jogo principal e 14 a 0 (!) na partida de aspirantes.
Ao todo, até a inauguração do Morumbi: 630 partidas, 372 vitórias, 125 empates, 133 derrotas. 1560 gols marcados, 845 gols sofridos. Uma campanha de 65,66% de aproveitamento, com média de 2,48 gols marcados, contra 1,34 de gols sofridos.
Foi assim a Era Tricolor no Estádio Municipal, que de tempos em tempos O Mais Querido, ali batizado, voltaria a rever. Como quando, já prestes a concluir o Estádio do Morumbi, foi sondado pela Prefeitura Municipal com a proposta de trocar sua recente construção pelo Estádio Paulo Machado de Carvalho…
Mas, como profetizou Laudo Natel: “O sonho do são-paulino não cabe no estádio do Pacaembu”.